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“Seu livro é como que um protesto contra a hipocrisia”, me disse um excelente professor que tive no curso de filosofia. De fato, essa falsidade, posso dizer, natalina, do dia a dia, é algo contra o que falo no livro.


Vamos lá. Meu objetivo com este blog não é sinceramente dissecar o livro “Veja-Se em Mim”, mas, apontar alguns pontos relevantes dele, que possam levar os curiosos leitores a compreender o seu verdadeiro conteúdo, mesmo sem tê-lo em mãos para folhear.
Eu objetivo, além disso, esclarecer que o tema vegetarianismo é sim parte do que escrevi, mas uma parte bem pequena. Eu repudio o consumo de carne num trecho do texto “Só nos colocamos no lugar dos outros se estivermos lá", que tem uma ilustração forte, por meio da qual faço o mesmo (reproduzida logo abaixo – desenho elaborado por mim, Igor Gonçalves, e Maurício Alves da Costa), no entanto, o tema principal desse escrito não é o vegetarianismo, e sim a empatia.



Só nos colocamos nos lugar dos outros se estivermos lá





A indústria da carne não existiria sem os seus consumidores. Quem a consome, sim, manda que a fabrique, e toma, desse modo, partido da covardia que é matar um animal plenamente saudável e com expectativas de continuar não apenas vivo, mas buscando sentir o máximo de prazer que puder enquanto viver.
Há algum tempo, eu optei por renegar o meu passado de assassino indireto, não comendo mais carne (é uma das muitas mudanças que eu deveria provocar em mim). Estou certo de que os animais não nascem apenas para morrer antes que tenham vivido; e de que sua fragilidade não é um motivo para que eu os massacre, mas para que eu os defenda.
Escuto de alguns cristãos que (só para que o que escrevo envolva um bom número de pessoas) a bíblia lhes encoraja a ser covardes, isto é, que está lá a autorização para que o seu ato ruim de comer carne seja reprisado. Isso me assusta, e chamo isso de um mal, pois quem conhece como é o processo de transformação de carne viva em carne morta para o livre consumo, não pode, seriamente, concordar que toda aquela tortura seja um bem. Não se for alguém com um pouco de bom senso e que não esteja de brincadeira.
Sem contar o desprazer ao qual são submetidos muitos animais antes do abate, como fica o seu direito à vida? Não o tem, sob nenhuma hipótese?Por que não? O fato de um erro ser repetido várias vezes não faz dele algo correto. Se o hábito é ruim (matar animais, quando há alternativas a isso, torturar), deve, sem dúvida, ser repudiado.
No entanto, isso não parece ser o que pensam os carnívoros. As suas consciências se apagam a todo instante... no entanto, não parece ser por abarcarem a culpa, mas para não se preocuparem com o que o costume ousa chamar de sem importância e natural, a saber: toda essa insensibilidade coletiva saboreando o produto dessa matança desnecessária. E se ouve da boca de legumes intelectuais, com frequência, isto: “não quero nem saber. Não quero nem pensar.” E, muitas vezes, os comedores de carne transformam os vegetarianos em piada, ao mesmo tempo em que batem no seu peito para se orgulhar do que, na verdade, deveriam se envergonhar. O mal não pode ser um bem, não obstante, tem sido. ((isso, comento aqui, não está assim escrito no livro))



  • Como opção para dar seguimento aos meus breves comentários, decidi por copiar aqui uma apresentação da obra, esta gravada na orelha do próprio livro. (a visão dos leitores me importa) Na sequência, cito parte do que preparei para o lançamento do livro, que se deu no dia 08/10/2009. (algumas palavras sobre a minha visão do que escrevi. Por que não?)



Orelha do Livro



No oráculo de Delfos, lia-se a seguinte inscrição: “conhece-te a ti mesmo”. Se o oráculo era uma fonte de conhecimento para os gregos, sua inscrição já trazia parte das respostas lá buscadas, ou seja, que o mundo é o espelho do nosso eu. Mas esse mundo é na verdade também o “eu”: o que se conhece e o “eu” que conhece são uma mesma coisa em relação consigo mesma. Para conhecer o mundo, começar por si mesmo talvez seja a maneira mais direta de atingir o ponto essencial do limite entre ignorância e saber. O “eu” traz em si a essência do mundo, pois já é parte dele e conhecer-se em essência é conhecer a essência de um todo que vai além do “eu”. No entanto, não há distinção entre o “eu” e o mundo, pois as duas esferas estão tão interligadas de tal maneira que não há mundo sem “eu” e nem pode haver um absoluto “eu”, sem um mundo “seu”.
Neste livro, o leitor é desafiado a conhecer-se não por si mesmo, mas pela projeção no outro daquilo que se é, a se espelhar num outro aparentemente diferente. Ao compreender os personagens, compreende-se a dinâmica da relação entre o “eu” e o mundo e especialmente o outro... esse outro que é um reflexo de nós, de si mesmo, do sujeito que observa. O jogo psicológico armado de modo que a preocupação com o julgamento de si pelo outro é mais importante que o julgamento de si por si mesmo é escancarado nessas páginas de maneira que nos introjeta no âmago de nossa fraqueza moral. O leitor encontrar-se-á com sua própria vida psicológica, sua vida interpessoal e sua moral numa reflexão autodirigida através do choque com o drama do autor e de seus personagens. Esse momento de reencontro consigo mesmo, através do outro, é como se o autor colocasse o leitor diante do oráculo e sua inscrição, lançando-lhe o desafio. É o momento da verdade, do qual não se pode fugir, pois cedo ou tarde esse desafio surge como uma necessidade que nos incomoda. Assim, se, através da compreensão pela leitura atenta, o leitor se sentir “ferido... melindrado”, terá realmente iniciado a viagem interior para o autoconhecimento; mas é apenas o início... Com essas palavras desejo boa sorte a você, leitor, na busca pelo outro, a qual introduzi-lo-á ao reencontro consigo mesmo.

Luciano Araujo Peixoto




Parte do que foi dito, por mim, durante o lançamento do livro.




“Este livro só pôde ser impresso com esta excelente qualidade por ter sido custeado pelo município de Uberlândia, por meio do Programa Municipal de Incentivo à Cultura, da Secretaria Municipal de Cultura.”

“Eu admito que eu, como leitor-escritor, não consigo ter uma resposta fixa sobre a minha impressão deste livro de contos, ou do que ele por acaso seja: se é bom, se é ruim, se é razoável. Não sei mesmo. É que ler o texto que se escreveu é inevitavelmente vasculhar o terreno procurando ‘defeitos’; entre aspas, agora, pelo que eu disse há pouco (Os erros só deixam de aparecer quando deixamos de os procurar, isso eu aprendi revisando. Disseram-me que os erros fazem parte do trabalho; pois bem, os que ficaram, então, não são erros, ouvintes, são partes do meu trabalho). E quanto mais distante se fica do texto, pior fica a coisa, pois, se, por um lado, me sinto, com a distância, mais leitor do que escritor, por outro, isso dura pouco e o escritor em mim, quando retorna, retorna com tudo para rabiscar linhas, alterar partes e, às vezes, até rasgar tudo e começar do zero. Na pior das hipóteses, até procuro me afastar da ideia do escrito, para não falar mal sobre aquilo que descobri saber muito pouco.”

“Devo explicar que, embora não tenha certeza, de início, sobre o destino final das ideias que vou pondo no papel, isto é, sobre o que irá significar em absoluto todas as palavras do texto, enfim, juntas de mãos dadas, acorrentadas, vou, sem dúvida, escrevendo procurando fechar um sentido, acompanhando a direção que as ideias vão me apontando. Detesto texto solto: detesto frases perdidas numa floresta de palavras.”

“Já li meus textos junto com outras pessoas, quero dizer, lado a lado, e percebi a sua compreensão deles: às vezes, há distância do que escrevi nos seus comentários, às vezes, proximidade. Em muitos casos, muito do que falta ser dito, penso, hoje, que jamais poderia ter sido: parte do que não é dito são os sentimentos do leitor despertados com a sua leitura, impossíveis, com toda precisão, de serem previstos por mim, enquanto escrevo, ou parte são os sentimentos meus despertados em mim enquanto escrevo, também, com segurança, não totalmente comunicáveis.”

“É fora de dúvida que a interpretação séria exige atenção; curiosa é a descoberta de que nos tornamos mais atentos quando imaginamos que o autor do texto nos descreve. Adoramos, sozinhos, nos contemplar diante do espelho. Nos achamos muito interessantes, em resumo, não é mesmo? Só pode... Vejam-Se, então, em mim, leitores!”

“Dizem que se um texto provoca, ele é bom. Isso deve explicar a minha tendência em querer ferir o leitor. É mesmo divertido imaginá-lo duvidando de si mesmo, perdendo as suas certezas, eu não vou negar. No fundo, sou mais um procurando ser aplaudido. Talvez para me esquecer do que penso realmente sobre o que escrevi.”

“Sobre a forma do texto do livro ‘Veja-Se em Mim’, devo dizer que causa algum estranhamento: há colchetes, muitos parênteses, intercalações demais, dirão alguns; não há subdivisão por parágrafos e pede por uma leitura mais lenta, portanto. Questão de estilo. Pra mim, não é fácil dizer simplesmente. Gosto dos detalhes e me sinto melhor quando consigo detalhá-los.”

“Admito exceções às minhas afirmações, mas, elas, inicialmente, são, como eu já disse, do tipo 'caminho único'. Exceções, não exceções... Quero enquadrar o leitor, para fazê-lo refletir seriamente sobre se ele não é, de fato, o meu objeto de crítica. Eu não posso abrir espaço de liberdade pro leitor. Ele precisa estar seguro sem a minha ajuda se está livre ou não do que afirmo. “

“Dizem que meus textos incomodam. É o que dizem. Espero que dos 25 textos do livro, ao menos um deles agrida o meu leitor, no sentido de fazê-lo voltar-se um pouco para si mesmo, que o meu leitor se veja no que eu lhe afirmar sobre ele, e que não feche os seus olhos, estando diante desse espelho que é a opinião alheia. O que dizem sobre nós é sempre uma distorção do que somos, como a moça distorcida que aparece na colher da capa do livro, mas quem disse que mesmo distorcidos deixamos de nos reconhecer como imaginamos ser? Este “Veja-Se em Mim” representa a tentação na qual muitas vezes caímos de nos definir pelos outros, por sermos incapazes de nos definir por nós mesmos. Afinal o que somos? Somos, cada um de nós, alguém completamente à parte daquilo do que afirmam sobre nós? Se fôssemos, o olhar dos outros nos constrangeria tanto? Se fôssemos, seríamos tão inseguros diante dos outros?”






Interpretação minha sobre um dos textos do livro, o escrito “Não posso falar bem, de repente”, que aparece na íntegra em seguida.



“Bom, vou seguindo mais um pouco, citando, agora, detalhes sobre o miolo do livro. No conto ‘Não posso falar bem, de repente’, há um personagem que vive de se apresentar em público, com palavras improvisadas, é um bom falante adorado pelos outros, possui reconhecimento, por isso. O personagem palestra, discursa sobre temas os mais diversos, determinados de momento, por inspiração; desfila de estado em estado a sua honra; veste, aonde vai, as mais finas aparências. Mas, a verdade é que o personagem repete o que decora, diante de todos, fazendo parecer que as suas belas ideias são concebidas de repente, por inspiração. O personagem mostra-se, assim, não como é, mas como sabe que os outros acreditam que ele seja. Ele se beneficia disso, como muitos de nós aqui estamos acostumados a fazer. Bom... muito tempo se passa até que o tal inspirado decida deixar o olhar alheio o ver como é. Ele fica confuso sobre se deve se despir ou não diante de todos. É tão mais confortável ser o que dizem, já que o que dizem lhe favorece... O problema é que ele vai se estranhando com a sua própria imagem no espelho. ‘Quem é aquele lá?’, chegou a se perguntar, provavelmente... Ele é admirado pelos que o construíram, e essa construção dele manteve-se erguida, tanto tempo, graças a ele. O meio o moldou, o distorceu, o fez parecer outra pessoa, e ele aprendeu a acreditar e afirmar que aquilo que ele via era, realmente, ele, aquele alguém que aplaudiam com frequência; mas, o tempo o fez pensar em preferir a possibilidade de que o vaiassem pelo nada que sempre fora, sem reflexo até então, à certeza de que continuariam a elogiá-lo pelo homem que interpretava para esconder o homem que, na verdade, nunca fora, que nunca havia existido. Tudo o que ele sempre foi nunca existiu. E quantos em nosso mundo, neste nosso círculo de conhecidos, não perdem a vida, sem antes ter a coragem de abrir mão de um grande reconhecimento por algo que jamais foram? Morre um homem e os que ficam homenageiam outro, como se ambos fossem o mesmo. Vejam-se com cuidado no personagem, os que o procurarem depois no livro para se verem representados! Ele não tem nome... deem um nome a ele. A imagem do eu lhe aparece pelo outro, e é tentador que o eu se veja nesse outro ou a partir desse outro, quando o refletido são distorções que o beneficiam, e que, por isso, faz de tudo para que aumentem. Por um tempo, a crença do eu nesse seu falso eu o conforta. Um músico ruim pode passar anos se dizendo dono de uma série de boas canções, que, na verdade, roubou de um talentoso músico. Imaginem que este último tenha falecido antes de pensar em brigar por direitos autorais. Anos podem se passar, então, sem que ele admita o tal roubo, mas um homem que vive o suficiente para chegar à sua maturidade, no mínimo, sente-se desconfortável com elogios a seu belo trabalho do outro. Quem assina, em segredo, esse atestado de incompetência, assim que amadurece, começa a receber mal as honrarias. As recebe como xingamentos, ofensas de gravidade insuportável. O Conto em questão ‘Não posso falar bem, de repente’ mostra alguém que está em conflito consigo mesmo por estar entre divulgar aos outros o homem de quem sente e do qual sentiriam pena e continuar a divulgar o homem do qual sente pena e pelo qual sentem admiração. Leiam o texto e descubram qual decisão tomou, no fim, o personagem...”



Não posso falar bem, de repente






Oito horas a contar deste momento, é só o que tenho, hoje, de tempo livre para mim; e, então, se sei que é tudo, que só me restou isso, como pode ser que eu vá comprimi-las a ponto de elas serem o equivalente a não mais do que meia hora efetivamente produtiva? Por outras palavras, como é possível que eu, nas sete horas e meia restantes, esteja completamente dedicado a fugir da responsabilidade a mim imposta pelo dia de amanhã, isto é, a me afastar da caneta com a qual preciso escrever as exatas palavras as quais terão a função de nada menos nada mais do que fazer com que a adoração dos outros sobre mim seja mantida? (Se a personagem, aqui, possuísse o dom de antecipar para si mesma o futuro, sairia por aí à procura de uma resposta que dela tirasse essa dúvida.) Meu discurso deve ser impecável, caso contrário, terei de aceitar de mim uma agressão bem no meio da honra. Preciso terminar o quanto antes este trabalho, este meu discurso, ou não sobrará tempo para escrevê-lo inteiro na mente antes da palestra; se o pior acontecer, de que maneira poderei ler o decorado, acompanhado de uma espontaneidade ensaiada, aos adoradores? Logo mais, chegará o momento de me pronunciar em público, e não desejo que me veja com maus olhos nenhum dos que se dispuserem a me ouvir – meu apreço é grande pela adoração. Que assim seja, quero sustentar a mentira pela qual estou envolvido de que sou excelente na matéria de no improviso formular belas ideias. Para ser honesto, aprendi a viver dentro de um invólucro construído pela opinião alheia. Não sou nada do que acreditam, pois, sou algo distinto do que enxergam em mim; que vou fazer se não sou nitidamente visível? Os outros é que assumam a responsabilidade por afirmarem ser eu aquilo que veem! Hoje, não me sinto bem, pois, de súbito, o que me envolveu durante muito tempo asfixia-me, estou apático, de maneira que dizer essa última frase enfatizada com a exclamação é agora, para mim, impossível, estou sem muito oxigênio para respirar. Daqui a pouco, o amanhã baterá a minha porta e serei, no ritmo lento em que vou construindo o meu texto, uma espécie de palestrante sem texto e, desesperadamente, pronto para repeti-lo ao som da voz; não terei anotações, não serei palestrante, é o que indica a minha inesperada respiração ofegante. Minha mente está confusa, indaga-se... Alguém precisa de retroprojetor como instrumento de cola projetada? Eu não, é-me suficiente a memória, quem me dera poder acreditar nisso! Basta eu não portar uma mente vazia evidente diante de uma plateia com grande expectativa por me escutar. “Não me recordo de nada”, terei essa impressão a julgar pela minha pequena preocupação neste momento em elaborar, ensaiar e anotar o discurso; pela primeira vez, imagino-me sem honra, um eu sem reconhecimento: calar-me-ei, será inevitável, não obstante saber que o silêncio representará, perante todos os presentes no discurso, a minha falência de ideias; preferirei eu mesmo me reconhecer, mas talvez fraqueje muito antes de conseguir, é provável que simule “um branco”, inédito nos locais em que me exponho, por ficar perdido sobre como agir. “Esqueci-me de quase tudo, sobraram poucas palavras, por mim gravadas, da Língua Portuguesa; memória, o que está a fazer que resgata quantidade tão pequena de coisas?!” É claro que não conterei o desespero (imagino), afinal, estarei me desfazendo por inteiro, tornando-me nítido aos olhos de todos os meus admiradores, e eu estou certo de que uma “simulação” como essa só piorará a minha apresentação; sou um inspirado, não um extraordinário memorizador, é o que dirão. Esquecimento. Não posso dar a entender isso a ninguém, no entanto, como evitar sem poder ler as ideias decoradas? A esta altura, nem posso escrevê-las no papel para depois ler, não há tempo, vinte minutos antes do término das oito não é suficiente para tanto. Que fazer? Desperdicei tempo demais, estou perdido e pergunto: por que me punir dessa maneira? Por que fui lutar contra produzir algo para memorizar? Onde estava com a cabeça? Que loucura! Por que tantas interrupções de raciocínio quando estive pronto para pôr as palavras no papel? Se eu fosse descrever (e vou) o passado como presente agora, seria desta maneira: “O meu corpo quer ir ao banheiro, em seguida, a cozinha me chama, não consigo parar de sentir fome, estou sedento de água, vinho, vodka... O computador, a televisão e outras coisas tecnológicas com as quais divido a minha morada brilham constantemente – brilhos que ultrapassam as paredes do meu ambiente de escrita, penetram nele e chegam até mim –, fazem todas elas unidas reflexo na caneta, é terrível, pois o mais das vezes tanta luminosidade tira a minha concentração. Estão todas essas coisas empenhadas em me fazer divagar; estão vivas! Estão me chamando! ‘Ei, escritor! Ei, escritor! Ei, ei!’ Lá fora, o dia é lindo e de sol, daí não ter forças para resistir: olhei-o até o momento umas dez vezes, admito; talvez fosse melhor estar em um outro lugar que não este em que estou, surge esse pensamento, um lugar aberto talvez: um clube, um sítio, uma cachoeira. Por que não? Importa mesmo escritor a imagem sua que farão amanhã quando não souber o que dizer, uma vez que isso vai certamente denegrir sua boa reputação no tocante à capacidade de improvisação? Eu me questiono sobre isso, por saber que é do feitio dos humanos, pelo menos dos que conheci, pôr à prova aquele que é tido como ótimo, posto que, se o desqualificam, podem lhe ocupar o lugar de admirado. Sinto-me, de repente, só, e por que não, já que é assim, alguma companhia? Percebo em mim a necessidade de alguém para desviar o meu foco de atenção do trabalho para qualquer outra direção; daqui a pouco, usarei o telefone para chamá-lo, não se deve apagar uma vontade como essa. O meu ânimo se esgota pouco a pouco, e a experiência me deixa concluir que cada pensamento contra o trabalho, no presente, significa, mais tarde, sem exceção, um pouco de pensamento a menos a serviço do trabalho; estou perdido, o dia vai terminar, o cansaço já me invadiu, antes mesmo do anoitecer; e o pior: não faz tempo que rasguei o papel onde estava o curto trecho de texto que redigi à custa de um imenso sacrifício; isso fiz por estar, no momento, demasiadamente, confuso, e não saber ainda se amanhã optarei por conservar em mim nitidez escassa, a que me dá o luxo de ser admirado, ou se por cobrir-me de um negrito avistável mesmo por quem se encontrar em posição de visão relativamente distante de mim. Estarei preocupado com isso, e sei que a minha noite será ‘em claro’, porque a minha imaginação sobre o amanhã não me permitirá adormecer hoje.”Não dormi, o que havia suposto ocorreu, e após muito refletir, a madrugada toda, se eu quiser ser mais exato, deixe-me, finalmente, dizer da minha decisão. Resolvi pôr em risco a minha qualidade de homem honrado: quando vir o momento de falar, terei diante de mim uma folha em branco, uma mente vazia e um bocado de gente em mim centrada, certo? Quer saber? Acabo de aceitar como solução, para isso, colocar, no momento da minha fala, a folha contra o meu rosto, abrir bem os meus olhos e me manter em silêncio e em pé até que seja capaz de improvisar, diante de todos, um discurso sobre o nada. Sem qualquer lembrança que possa favorecer o meu improviso, apresentarei a outrem o eu sem invólucro, o eu sem honra que sempre fui de fato e para o qual, só agora, viro-me de frente com a intenção de abraçar. É chegada a hora: não há, neste instante, nesta sala em que eu deveria pronunciar o meu discurso, sequer uma pessoa que não me enxergue desprotegido; estou todo à mostra, mas, de modo algum desconfortável por assim estar.



Por fim, segue um comentário meu ao conto “Uma ponta grande de esperança no primeiro dia da semana”






“Sobre um outro texto, o conto “Uma ponta grande de esperança no primeiro dia da semana”, como última exposição deste livro, posso comentar que, nele, há um deboche explícito em cartazes ao alcance dos olhos daquela de quem debocham. O cenário do conto é uma praça, que é um palco sobre o qual circula a esquisitice. O público observa o espetáculo em sua privacidade; de casa espreitam a feiura circular. A visualização é gratuita, apenas tem censura de idade de 18 anos. A atriz feia tenta representar a beleza. A vizinhança de um bairro distante do centro se diverte com humilhá-la. O seu cansaço avança dia após dia, ela é um fracasso atuando. Seis dias por semana é traça de si mesma. Um dia por semana, bem cedo nos domingos, faz caminhada como pretexto para estar visível aos olhos dos outros, tentando se passar por alguém normal, não agüenta mais que a apontem para, em seguida, dela zombarem, para dela rirem. Ela se isola, então, no seu local de morada, onde o que é está livre de ser escancarado. Ela é motivo de chacota. Tudo leva a crer, no escrito, que ela foi uma bela mulher, que tinha uma beleza exótica. As suas impressões sobre a visão que os outros tinham dela não são, exatamente, confiáveis. Ela quase certo que confundiu a sua distância da beleza padrão com feiura. Isso, por um tempo, pois essa sua confusão, essa sua crença em que era estranha a incentivou a colocar a pele, as atitudes e, também, as vestes da esquisitice. Tornou-se, enfim, aquilo que tanto temia. Daí em diante, poderia sim ver-se na vista espantada das pessoas. Sim, nesse momento, era ela mesma de frente para si mesma: ridícula. Mas, desse espelho, ela decidiu fugir até que pudesse retornar à normalidade. Foi da normalidade à esquisitice e queria, agora, então, retornar à normalidade. Insinuava-se, para tanto, aos que lhe observavam, gostaria de estar entre alguns daqueles que madrugavam e se aprontavam para assisti-la desfilar; gostaria de largar a vida de modelo do horrível. Não sei se chega a conseguir largar a passarela, essa moça. O texto não explora essa parte, mas pelo que percebi, o autor do texto é avesso a finais felizes, então, imaginemos que o final foi infeliz.”